“Os tabus sexuais, não caíram. Alcançou-se apenas uma nova e mais profunda forma de recalque.”
– Adorno
Quando pensamos sobre o desenvolvimento da sexualidade e seus desdobramentos podemos alçar desse assunto um tema que aparece de maneira tímida ou quase como se fosse um tabu, mas a importância de sua presença nos meios de informação são fundamentais, falo das disfunções sexuais. Digo isso sobre sua importância, pois o sintoma compartilhado por um grupo demarca a necessidade dos cuidados voltados para essas vulnerabilidades, para essa população, cuidados esses que também deveriam ser compartilhados e as pesquisas nos mostram que somando especialidades conseguimos resultados mais eficazes dado a visão integrativa do ser humano como bio-psico-socio-espiritual.
Na atualidade as terapias chamadas de “terapias sexuais”, que aqui chamarei de “Psicoterapias Sexuais” (PS), são aquelas associadas a práticas psicoterápicas voltadas para o âmbito das disfunções sexuais e o que gira em torno da experimentação e desafios da sexualidade. As psicoterapias sexuais tem diversas vertentes dentro da psicologia, as de TCC, as psicanalíticas/psicodinâmicas e por aí vai, mas antes de falarmos sobre as possibilidades psicoterapêuticas nessa área vamos falar sobre o que são essas disfunções.
Disfunções sexuais são um, ou um conjunto de sintomas e comportamentos que dificultam ou impossibilitam o funcionamento normal da vida sexual ativa, essas dificuldades geram diversos tipos de sofrimento aos indivíduos, atingindo a autoestima, autosatisfação sexual, complicação nos relacionamentos fixos e conjugais, dificuldade no estabelecimento de novos vínculos afetivos e outros. Esses acometimentos podem ter origens biopsicológicas e multifatoriais, como já explicitado. É importante salientar que mesmo quando um problema sexual, como disfunção erétil, é essencialmente de base orgânica, a psicoterapia sexual tem papel crítico no sucesso da intervenção e melhora do quadro. (CORDIOLI, 2019)
Podemos observar esses transtornos segundo um conjunto de sinais e sintomas que se relacionam com o ciclo de resposta sexual, a saber: Desejo – libido; Excitação/platô; orgasmo; resolução. Portanto, quando dizemos que uma pessoa tem dificuldade de iniciar a relação sexual, sente dificuldade de fantasiar e ter pensamentos eróticos e ausência de interesse pela atividade sexual, também podemos dizer que há um distúrbio no desejo sexual.
São diversos os tipos de acometimentos que podem ocorrer em ambos os gêneros e cito os que constam no Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-5):
Ejaculação retardada; transtorno erétil, transtorno do orgasmo feminino, transtorno do interesse/excitação sexual feminino, transtorno da dor gênito-pélvica/penetração, transtorno do desejo sexual masculino hipoativo, ejaculação prematura (precoce) e disfunção sexual induzida por substância/medicamento.
Existem uma gama ampla de fatores que favorecem a manutenção dessa sintomatologia, segundo CORDIOLI (2019), sendo eles:
Conceitos equivocados, ansiedade de desempenho, estímulos sexuais inadequados, transtornos psiquiátricos, medo de intimidade, culpa, discórdia e conflitos relacionais, ressentimentos com o parceiro, perda da atração, preliminares insuficientes, comunicação precária, falta de privacidade, dor à relação, aspectos ambientais, experiências diversas, repetidas ou traumáticas, entre outros.
Todo esse imbróglio enfraquece a autoconfiança mesmo dos mais resistentes.
Tempos atuais e sexualidade
Sabemos que o indivíduo que se desenvolve no nosso meio sociocultural está sensível as complexas dinâmicas de interação que se desenrolam não só em ambientes físicos como também os virtuais, nessas relações não só a felicidade e a impossibilidade de externalizar sentimentos negativos são exigidas, mas exige-se também alta performance, em todos os âmbitos possíveis, no trabalho, na vida social, na vida familiar e atravessados pelos contextos de gênero uma falha pode significar o início de um fim. Ora, se essa exigência performática penetra na vida cotidiana há de se esperar que uma centelha (ou um show de luzes) atravessem a vivência da sexualidade. O imperativo do mais gozar penetra na pele e ganha na “cama” o sintoma que denota o esgotamento. Segundo FRANÇA (2001) a subjetividade contém fortes marcas das interações do self/eu-objeto internas, no qual cada encontro pode ativar diferentes níveis de respostas. Perspectiva que nos mostra como as interações são magníficas, desde a fusão regressiva mais arcaica até todas as outras formas de profundo compromisso psicológico.
Junto dessa estruturação psíquica podemos repensar como interagimos com as plataformas que vem produzindo cada vez mais uma forma imagética do bem viver (instagram, X, etc), onde padronizam-se corpos, desejos e alteridades, até nos discursos anti-hegemônicos percebemos um movimento pendente rumo ao desconhecido do vazio da mesmice. Estariamos vivendo o que Theodor Adorno chamou de “dessexualização do sexo”?
Provavelmente não poderíamos poupar desse processo de dessexualização a forma cada vez mais precoce com o qual as crianças e adolescentes são invadidos por conteúdos sexuais, criando imagens irreais de corpos fragmentados e montados por uma indústria, causando objetificação de corpos (onde o real nunca é suficientemente prazeroso) e insegurança, dentre outras infinidades de acometimentos oriundos dessa experimentação precoce.
Algo que me chama muita atenção é a forma como essa população mais nova estão aprendendo o jogo da exposição, ao mesmo tempo que temos noticias de que a cada geração faz-se menos sexo. Talvez o estatuto voyeurista do gozo pelo olhar do outro ganhe destaque para essa discussão.
Se temos uma sociedade cada vez mais virtualizada, onde os espaços de convivência são cada vez mais diminuídos e os laços humanos cada vez mais reduzidos e enfraquecidos, com quem fazer sexo? Será mesmo essa a pergunta crucial? A sensação de vazio relacional é sentida e exposta por diversas pessoas, seja na clínica ou nas redes sociais.
Psicoterapia Sexual
A busca por um profissional de psicologia que atende demandas relativas a sexualidade geralmente vem depois de muita resistência, pois admitir a necessidade de ajuda psicoterapêutica provoca uma dor difícil de suportar, nesse escopo, mulheres procuram ajuda com mais facilidade, os homens, devido a uma concepção da virilidade possuem um refreamento bem maior. Alguns recorrem a fármacos o que logo logo percebem que não pode ser uma alternativa única e a longo prazo, pois além do uso contínuo não resolver o problema, o sofrimento decorrente a interação prejudicada lhe insta um sofrimento latente, onde o estágio de fragilidade quase constante faz da presença do outro e das exigências da realidade externa uma ameaça contínua.
Para CORDIOLI (2019) as psicoterapias sexuais estão mais preocupadas com a melhora do prazer, da confiança sexual e da intimidade entre os pares sexuais. O processo é colaborativo quando esse sujeito se encontra submetido a outros tratamentos. A Psicoterapia exige uma avaliação da função sexual atual (inclusive sentimentos e receptividade), de comorbidades, de possíveis fatores causais e mantenedores (p. ex., uso de medicamentos, novidade do relacionamento, perda de familiar, desemprego) e peculiaridades do relacionamento (quem inicia, de que se compõe o repertório sexual, fantasias sexuais).
Ainda que muitas pessoas não se enquadrem dentro da sintomatologia das disfunções sexuais não é incomum escutar falar sobre dificuldades relativas à experiência sexual. O apoio psicológico também pode ser utilizado nesses casos, num sentido de orientação, redirecionamento da libido e possibilidade de reorganização afetivo-sexual.
Na terapia psicanalítica/psicodinâmica, a ênfase não está na supressão de sintomas, mas em trabalhar os conflitos que conduziram a eles. O conteúdo simbólico e a utilidade funcional dos sintomas são explorados. (CORDIOLI,2019)
Uma visão ampla e pensada na constituição sexual do indivíduo é trabalhada, bem como a redução dos mecanismos de defesa que impedem o indivíduo de se relacionar de forma plena, como também a redução das resistências que o impossibilita de entrar em contato com aquilo que gera todas essas moções internas.
Na TCC as reações emocionais negativas a determinado estímulo resultam de certos comportamentos. Dessa forma, quando associada a sentimentos negativos (culpa, medo), a excitação sexual leva à inibição aprendida da resposta sexual. Portanto, para provocar reações emocionais positivas, é necessário modificar os comportamentos não adaptados (p. ex., evitação ou desconforto sexual). (CORDIOLI,2019)
Tendo em vista todos os aspectos citados acima faz-se necessário a busca por ajuda da psicoterapia sexual aqueles acometidos por questões relativas aos aspectos sexuais, sejam identitários ou (mais objetivamente como oriento esse texto) práticos.
Para se ter uma vida que caminhe em direção a saúde e da resolução das próprias questões, um passo é necessário.
Eliel Lima da Silva – Psicólogo e neuropsicólogo
CRP – 05/70226
Bibliografia:
Psicoterapias – abordagens atuais (autor: Aristides Volpato Cordioli)
Ejaculação precoce e disfunção erétil – uma abordagem psicanalítica (autora: Cassandra Pereira França)
Ensaios sobre psicologia social e psicanálise (autor: Theodor W. Adorno)
DSM-5